A fada vermelha da desigualdade — parte 1

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4 years ago

Por Rígille S. B. Menezes.

Algumas pessoas não têm comida. Outras não têm motivos — motivos o bastante para verificar se estão pagando 6800 USD por copos descartáveis. Todos concordam que há um problema aí. Depois disso, há apenas discordância. No geral, a discussão se concentra em torno de duas posições.

De um lado há quem considere que o problema é a desigualdade. Nessa visão, se a desigualdade se reduzisse, então o mundo certamente teria melhorado. Do outro há quem considere que o problema é a pobreza. Nessa visão, se alguém enriquecesse e ninguém ficasse mais pobre, então o mundo certamente teria melhorado.

Apesar da discussão ter começado na economia, esses dois juízos não se limitam a ela. Na verdade, eles têm análogos em várias esferas da vida humana. Bryan Caplan, por exemplo, expressou sobre a justiça uma posição análoga ao juízo de valor pró-riqueza no seu artigo Contra o tu quoque. Além disso, é possível dar um juízo de valor pró-igualdade em certos assuntos; e, ainda assim, dar um juízo de valor pró-riqueza em outros. Ao contemplar a situação de uma pessoa que não tem pai, por exemplo, são raras as pessoas que dão à situação um juízo de valor pró-igualdade. Mesmo quem é pró-igualdade no caso do início do artigo dificilmente faz isso. Ao contrário, tudo o mais constante, quanto mais pessoas tiverem pai melhor — juízo pró-riqueza.

Qual o motivo dessa diferença? Na realidade, em muitos casos, não há diferença. Veja bem, o que foi dito no primeiro parágrafo não é 100% verdade. Não há apenas discordância entre essas duas visões de mundo, há concordâncias também. Olhe os casos em que o rico permanece inalterado, por exemplo. Sem falar nos cantos da tabela, neles também há espaço para concordância porque uma das visões deixa o juízo de valor em aberto.

Isso é relevante porque certas visões de mundo excluem algumas possibilidades, e essa restritação pode atrapalhar a distinguir as duas posições. No caso de quem não tem pai, está claro que o fato de uma pessoa ter pai não implica que outra pessoa não terá, não está piorando a situação de ninguém. No caso dos pobres já não está bem claro. Inclusive é bastante popular a visão de que a quantidade de riqueza no mundo é finita e que a única forma de enriquecer é empobrecendo os outros — ou, pelo menos, que isso é o que acontece na maioria das vezes. Nesse caso, o diagrama ficaria assim.

Não há como diferenciar bem as duas posições, e agora só o juízo de valor pró-igualdade dá uma resposta de fato. Fica fácil pender para o lado da igualdade mesmo se, na realidade, o juízo pró-riqueza fizesse mais sentido considerando as outras situações. Mas será então que estávamos perdendo nosso tempo dando juízos de valor para coisas imaginárias ou tão raras que nem merecem consideração?

A fada vermelha

Para explorar essa questão. Considere em sua mente que, agora mesmo, viesse a existir um ser ser sobrenatural que conhece tudo no presente e no futuro. Esse ser é a fada vermelha e, com a existência dela, tudo continua como antes. Exceto que ela está sempre vigiando as coisas de um plano superior; e, sempre que um espermatozoide está prestes a encontrar um óvulo, ela vê o futuro da pessoa que está prestes a nascer. Se percebe que é alguém vai enriquecer demais — ultrapassando um limite de desigualdade — ela agita a sua varinha, mata o espermatozoide e a pessoa sequer chega a nascer.

Se comparassemos o mundo da fada vermelha com um mundo onde ela nunca sugiu, o que estaria diferente? Com certeza o mundo da fada vermelha é menos desigual, mas qual dos dois dá as melhores condições aos mais pobres? Será que os resultados são muito diferentes dependendo de como é definido "desigualdade" ou "enriquecer demais"? Se sim, qual definição é mais relevante na discussão anterior?

Comente o que você acha :)

Na parte 2 vamos explorar isso tudo, incluindo o que for levantado na seção de comentários!

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