Por que as criptomoedas têm um preço?
As criptomoedas chocam quem acaba de conhecê-las com sua absoluta falta de manifestação física. Como é possível que algo sem massa, sem posição no espaço, e sem utilidade aparente seja tão precioso? Mesmo os mais experientes têm dificuldade em isolar o que exatamente torna as criptomoedas especiais no mundo digital e, quando perguntados, iniciam longas explicações sobre a natureza do dinheiro que vão muito além do necessário. No fim das contas, qual é o conceito fundamental por trás da existência de preços das criptomoedas? E por que bens materiais têm preços para início de conversa?
Negociando uma barra de ferro
Como de costume na economia, tudo começa com o fato das pessoas terem desejos. É da natureza humana ver além do estado atual do mundo, imaginar possibilidades mais desejáveis e agir para atingi-las. No entanto, ainda que seja possível realizar os desejos de duas pessoas se as considerarmos individualmente, pode ser impossível realizar os desejos de ambas ao mesmo tempo. Considere um exemplo bem concreto: Alice poderia desejar que uma barra de ferro ficasse guardada em sua casa e Bob poderia desejar que, em vez disso, a barra de ferro ficasse em sua casa. Não há esperança de satisfazer os dois. Fazer isso aumentaria a quantidade de matéria e energia que existe no universo, violaria as leis da física! Qual seria o critério de desempate? Direitos de propriedade. Se Eva minerou o ferro, ela é a dona e decidirá o destino dele. Isso a põe em posição de selecionar a melhor oferta. Talvez Eva não se importasse com ferro e pudesse, a princípio, doar a barra para Bob. Mas priorizaria Alice se ela lhe oferecesse 5 centavos. Surgiu um preço. Não é necessário muito, só um conflito, direitos de propriedade e uma quantidade mínima de dinheiro. O ponto crucial é que o conflito só acontece quando há algo, como as leis da física, criando escassez. Esta impede que ambos os desejos sejam satisfeitos ao mesmo tempo, o que por sua vez cria competição, o que, por fim, cria preços.
No mundo digital a história é outra. Se no mundo material tudo é matéria e energia, no mundo digital tudo é informação. Não existe nenhuma lei da conservação da informação. Muito pelo contrário, existem leis da física que dizem que, de certa forma, a quantidade de informação no universo está sempre crescendo. Sendo assim é perfeitamente possível que Alice salve uma cópia deste artigo e que Bob faça o mesmo. No geral, se duas pessoas desejam conseguir uma mesma informação, estes desejos não estão em conflito um com o outro. De fato, a informação é tão avessa às limitações da matéria que mesmo as centenas de bilhões de dólares da indústria do copyright não foram suficientes para desenvolver uma forma de contê-la e impedir completamente que as pessoas copiassem arquivos. Daí que eles no geral não conseguem ser vendidos e revendidos por um preço da mesma forma que se vende e revende uma barra de ferro.
Esquecendo os arquivos, é possível criar escassez no mundo digital dentro de programas de computador. Isso é o que os bancos e jogos online fazem. Em teoria isso daria uma garantia de escassez baseada na lógica do programa, algo que poderia ser demonstrado matematicamente (ou não). Mas mesmo se a lógica do programa em si estivesse correta, isso não adiantaria muito caso o programa fosse centralizado. Uma entidade central poderia modificar a lógica e desfazer a escassez se quisesse. Foi somente no início de 2009, com o lançamento do Bitcoin, que surgiu uma garantia verdadeiramente forte de escassez no mundo digital. Uma escassez que não poderia ser desfeita por entidades centrais. Responder como ele fez isso já é um artigo por si só; mas pode-se adiantar que ele não tenta evitar a cópia de arquivos e, em vez disso, se apoia numa combinação das propriedades matemáticas do programa, conservação da energia e leis da economia para dar essas garantias.
Escassez digital
Essas fortes garantias de escassez do Bitcoin permitem que ele seja negociado da mesma forma que Eva, Bob e Alice negociaram a barra de ferro. Sério, se você substituir “ferro” por “Bitcoin” no parágrafo tudo continua fazendo sentido. Mas é justamente por ser tão recente e por subverter um padrão tão difícil de quebrar quanto a abundância digital que o Bitcoin causa estranheza em quem acaba de conhecê-lo.
A escassez responde por que existe um preço para o Bitcoin e para as outras criptomoedas, mas o que determina o quão grande é esse preço? Fica para o próximo artigo ;)