Pelo fim da meia-entrada

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3 years ago

Por Gustavo Ribeiro.

A notícia de que o governo pode acabar com a meia-entrada obrigatória incitou várias discussões sobre essa prática. Tentemos entender essa política, seu porquê, suas motivações, seus resultados, e as lições que ela nos ensina. Afinal essa política é positiva ou negativa para o cidadão? Usaremos como fonte dados obtidos da análise da Ancine sobre os impactos da meia entrada nos cinemas.

Para começarmos a entender o impacto da política de meia-entrada no Brasil, temos que entender o que ela é em essência: um controle de preço (mesmo que parcial), pois exige um desconto no ingresso para parte da população. Naturalmente, isso leva os cinemas a colocarem o ônus desse desconto nos espectadores que não pagam a meia, e eles farão isso baseado na sensibilidade da sua clientela à variação de preços.

"A meia-entrada, é, portanto, uma política pública custeada por subsídios cruzados, pelos pagantes de ingresso inteiro e pelos exibidores. A distribuição destes custos depende de como os consumidores reagem a variações no preço do ingresso inteiro.”

Porém atualmente a maior parte dos ingressos  são vendidos com o desconto da meia entrada, 80% de todos os ingressos, dessa forma o “preço de mercado” do ingresso se aproxima muito mais do valor da meia que da inteira, sendo os ingressos inteiros apenas um valor de referência, que recai sobre aqueles que não se encaixam nas regras de meia entrada.

Na situação atual, na qual 80% dos ingressos são comercializados com desconto, o efeito prático da livre ação do exibidor sobre os preços é a neutralização de boa parte dos efeitos da política de meia-entrada. O preço-alvo do exibidor passa a um valor próximo à meia-entrada, e o ingresso inteiro se torna apenas uma referência, aplicável àquela parcela da população que não acessa nenhuma das hipóteses de desconto legal ou promocional. 
A diferença percentual entre a categoria de ingresso “inteira” e as categorias de “meia-entrada” tem apresentado uma forte tendência de queda a favor das “meias-entradas”, o que pode indicar um movimento de substituição. Nota-se que os usuários de cinema no Brasil têm comprado mais ingressos das categorias de meia-entrada - seja promocional, seja legal - e, por consequência, adquirido menos ingressos da categoria “inteira”. 

O efeito desse processo é que, por um lado, aqueles espectadores que não tem o direito a  meia-entrada por lei  acabam tendo mais custos do que se ela não existisse, logo desencoraja que esse público vá ao cinema e o encoraja a buscar alternativas. Por outro lado, mesmo aqueles que podem usufruir da meia-entrada legal, saem perdendo pois, como esse preço já se aproxima do preço que seria praticado pelas empresas de cinema no mercado, deixam de receber descontos reais que poderiam ser feito por parte dos cinemas.

Um fato interessante é que o problema da meia entrada é quase exclusivamente brasileiro, países de primeiro mundo como Alemanha, Canadá e Reino Unido não têm nenhum desconto mandatório sobre o preço dos ingressos, e ainda assim mantém preços acessíveis. O Brasil, com sua política de meia-entrada, mantém seu preço abaixo desses países em termos nominais; porém, comparando a proporção entre o preço e o salário mínimo, o preço do ingresso inteiro no Brasil é mais caro que o de todos esses países, mais barato apenas que o da Rússia. Vale lembrar que, enquanto a maioria desses países não possui meia-entrada obrigatória, eles possuem liberdade para as empresas fazerem programas de preços inteligentes, baseados no público, no horário, enfim, para gerar promoções e descontos reais, que deixariam o preço de seus ingressos desproporcionalmente menores comparados à meia-entrada brasileira.

O problema central, no entanto, começa no positivismo, a ideia que é o estado quem  dá direitos aos cidadãos, e que então cabe a ele incentivar a cultura, a moral, as artes, cabe a ele levar aos menos afortunados o direito de apreciar um bom filme,  presumindo que os políticos sabem mais do que a população, de que eles precisam alocar os recursos da sociedade para que ela se eleve culturalmente, porque ela não conseguiria fazer isso por si mesma. Uma idiotice tremenda, embora seja a maior razão de ser dessa política. O que melhor do que os indivíduos interagindo voluntariamente no dia-a-dia, o mercado para coordenar o processo de alocação de recursos? Não é diferente na cultura. Ela é, assim como o mercado, um processo bottom-up e não top-down , é um processo que surge do compartilhamento de ideias, da cooperação, das famílias, é assim que as culturas surgem e crescem.

Mesmo que aceitemos essa doutrina positivista, a questão é que a política de meia-entrada:

  1. Não reduz os preços pois, o amplo acesso a meia entrada faz com que o preço seja próximo o que seria no mercado, ou seja, a meia-entrada é apenas a metade do dobro. O ingresso inteiro é apenas um valor de referência, já que é a menor parcela dos frequentadores de cinema que o paga.

  2. Falha em incluir  os pobres nesses ambientes, visto que a política não é voltada para renda.

  3. Acaba com as práticas anteriores de descontos reais, que partiam espontaneamente da casa para preencher os dias menos movimentados, e eram uma oportunidade melhor para aquelas pessoas de baixa renda, enquanto nos dias de pico o preço seria maior, ajustado para a demanda. Isso é fato, o sistema de preços é a melhor forma de alocar recursos racionalmente.

A política de meia-entrada falha mesmo com seu pressuposto positivista de que está dando espaço na cultura para um grupo menos afortunado. Como toda política estatal, sempre sai pela culatra, e quem mais usufrui das políticas de meia-entrada atualmente são jovens estudantes de classe média e alta. O fato é que o fim dessa política não significa imediatamente um aumento ou decréscimo do preço, porém observando o comportamento da venda de ingressos atualmente, podemos esperar que ele não varie muito em relação ao preço da média atual, tendo em vista que já estamos na média do mundo com esse preço. Mais importante, em um cenário ideal, onde todas as regulações do setor de exibição cinematográfica são abolidas, os cinemas passariam a funcionar 100% com base no mercado, o melhor sistema de alocação de recursos escassos que já foi inventado pela humanidade. Sendo assim, esses negócios teriam muito mais facilidade em adaptar seus negócios a tecnologias recentes para combater concorrentes como a Netflix, e oferecer soluções que hoje não são possíveis.

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