Em defesa de um sistema monetário e bancário livre

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4 years ago

Por Gustavo Ribeiro.

Bancos centrais imprimindo dinheiro sem lastro em nenhuma commodity, leis de curso forçado impondo moeda única, um sistema bancário de reservas fracionárias no qual o banco age como se fosse proprietário do dinheiro depositado, grandes resgates bancários orquestrados por bancos centrais, um oligopólio no setor bancário. Diante da confusão que é o sistema atual você pode se perguntar como chegamos aqui e para onde vamos, ou ainda se essa é a melhor forma de organizar o sistema monetário. Nem sempre foi assim, há espaço para melhorarmos nossas instituições econômicas. Mas para isso precisamos entender, afinal, o que é o sistema monetário e bancário?

Dinheiro, sistema monetário e suas origens

O indivíduo busca relações de cooperação para maximizar sua satisfação, busca obter bens que valora mais, e faz isso oferecendo bens valorizados pela outra parte. Assim é a troca, uma cooperação entre indivíduos que dão valores diferentes aos mesmos bens. A diversidade de aptidões e as vantagens geográficas de cada região são o que impele as trocas. O dinheiro surge para simplificá-las. Em vez de termos que alinhar exatamente os desejos de compra e venda — ou seja, um padeiro ter que achar alguém que quer comprar exatamente pão e vender exatamente um serviço de telefonia — a moeda funciona como um meio de troca indireta, será o produto pelo qual os agentes vendem seus produtos para adquirir outros produtos. No exemplo do padeiro, ele poderia vender seu pão para alguém que desejasse em troca de algo como ouro, que poderia trocar para contratar um serviço de telefonia. A capacidade do produto ser comercializado, aceito, será o seu fator que o diferencia. Por exemplo, em uma sociedade ambos ouro e platina podem ser usados como moeda, mas a facilidade com a qual, digamos, o ouro, é aceito o coloca como meio de troca universal. Esta é a característica essencial do dinheiro: ser um meio de troca. Dela derivam suas outras vantagens como unidade de conta e reserva de valor. O importante de se entender é que o dinheiro é uma mercadoria que surge espontaneamente no processo de troca como meio indireto de adquirir outros produtos.

Essa explicação serve para deixarmos um ponto bem claro: este texto não tem como objetivo propor nenhuma mercadoria como dinheiro ideal, seja Bitcoin, Ouro, Dólar, Papel Higiênico, enfim, nenhum. Quem irá decidir qual a mercadoria utilizada nas trocas serão os indivíduos através do processo de mercado.

Dada a história do dinheiro, é possível dizer que há chance, embora não certeza, de que o ouro será uma importante moeda e que seu histórico nas negociações lhe dará uma vantagem na estipulação dos preços. Em um sistema de livre mercado, a cunhagem do ouro seria privada. Agências de controle de qualidade refreadas por um sistema de reputação garantiriam a pureza do ouro, como acontece com outros produtos como carnes ou aço. O estado, no entanto, se apropriou, no processo histórico, da cunhagem, criando para si um monopólio na época em que o ouro e os metais eram as moedas usadas majoritariamente na economia. O rei cunhava as moedas oficiais, e retirava de circulação todas as outras. Hoje, as leis de curso forçado fazem um papel parecido, apenas a moeda criada pelo estado pode circular dentro dos países. Essa centralização do poder monetário abre brechas para falsificação, inflação, enfim, para a dizimação do poder de compra do dinheiro. Um sistema monetário no qual o livre mercado decide quais mercadorias se tornam dinheiro é superior pois está livre dessa fraude sistematizada.

Sistema bancário e suas funções essenciais

O sistema bancário, quando livre das mãos dos estados, também tem melhor desempenho, e se livra dos interesses perversos do estado. Em sua origem, os bancos servem duas funções simples. A primeira é como armazém de dinheiro. Ou seja, um serviço do banco de prover um ambiente seguro para os bens monetários de alguém.  É um serviço de conveniência, livra os indivíduos de carregar grandes quantias e, combinado com cartões de crédito e débito, transferências bancárias e cheques, facilita as transações. A segunda é como intermediários do crédito, aproximando o agente que quer crédito do que quer render o seu dinheiro. O banco toma o dinheiro do emprestador por um prazo determinado prometendo uma quantia maior (principal + juros), então investe o dinheiro apostando que receberá mais do que deve a seu cliente, lucrando com a diferença.

Como reservas fracionárias mudaram tudo

Porém, ao longo do seu desenvolvimento histórico, os bancos desenvolveram uma prática que quebra com suas funções principais: operar com reservas fracionárias. Perceberam que os depositantes não sacavam todo o seu dinheiro ao mesmo tempo, ainda que esperassem poder fazer isso, e nisso viram uma brecha para ganhar mais dinheiro. O banco recebe um depósito de 10$ de A, sendo assim emite um certificado para A, no entanto logo após empresta 9$ para B, emitindo outro certificado. Se A e B apresentassem seus certificados ao mesmo tempo, o banco não poderia honrar suas obrigações. Mas ele aposta que isso não acontecerá.

O sistema bancário de reservas fracionárias é o que governa atualmente as rédeas do sistema bancário, essa é a forma como ele opera. O que nos levanta as questões: esse modo de agir é correto? É um violação de propriedade? É uma prática econômica saudável?

Esse é um assunto discutido mesmo entre os defensores da escola austríaca de economia, autores como Rothbard e Hoppe criticam o sistema de reservas fracionárias, enquanto autores como Selgin o defendem.

Um dos grandes equívocos que podemos cometer ao analisar a discussão é pensar que o sistema bancário necessita da prática de reservas fracionárias para lucrar, isso é uma mentira. O sistema bancário é uma prática necessária, é uma instituição que aproxima os interesses de investidores e poupadores. Suas funções de intermediação de crédito e armazenagem de dinheiro são úteis para a economia, e sua fonte de lucro. O sistema de reservas fracionárias não surge como uma evolução natural, mas sim como uma brecha legal para que o banco se aproprie do dinheiro de seu depositante e o use para seu próprio interesse.

A questão da legalidade do sistema de reservas fracionárias expõe um dilema: quando um banco emite um certificado para A em cima de seu depósito, empresta para B parte desse dinheiro e também o concede um certificado, ele está criando um problema pois existem duas pessoas que possuem uma reivindicação de propriedade sobre uma mesma quantidade de dinheiro.  Existem mais reivindicações sobre o dinheiro do que dinheiro em si, seria isso uma fraude? Ora, existe uma diferença legal fundamental entre um depósito e um empréstimo. Quando depositamos algo, esperamos que seja custodiado, que possamos retirar a qualquer momento que acharmos conveniente, no entanto um contrato de empréstimo transfere temporariamente a disponibilidade do bem, que esperamos receber de volta depois de um tempo estipulado. As reservas fracionárias tratam os depósitos como se fossem empréstimos, o que causa um conflito de motivações e invalida essa relação contratual, pois o banco quer tratar o dinheiro recebido como um empréstimo e o cliente quer que ele seja tratado como depósito. Mesmo que o cliente esteja ciente do que o banco empresta parte desse dinheiro, ainda seria um conflito de motivações, pois o motivo pelo qual o cliente procurou o banco é para que seu dinheiro esteja sempre disponível, enquanto para o banco sua motivação é emprestar parte desse dinheiro, sendo assim, o contrato é impossível de ser efetivado, pois é impossível que uma unidade monetária seja usada por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Mesmo que se argumente que o banco deve entregar o dinheiro apenas na hora que o cliente resolve retirá-lo, essa afirmação não entende a motivação do cliente ao procurar o contrato, a de que o dinheiro esteja disponível a toda hora.

Se deixarmos de lado as considerações legais, o sistema de reservas ainda pode ter consequências econômicas ainda que no livre mercado. Em geral, o livre mercado consegue impor uma limitação na expansão de crédito dos bancos de reserva fracionária; pois, na medida que um banco expande mais sua oferta monetária, precisará ceder suas reservas para o banco que não expande, ou expande menos sua oferta monetária. Esse problema também é solucionado pelos banqueiros por meio de acordos e cartéis para que todos os bancos expandam uniformemente, inibindo as transferências de um banco para o outro. Porém se assumirmos um livre mercado essa associação é improvável. Um banco que quebrasse o cartel se beneficiaria muito, logo os incentivos estão aí plantados.

O cerne do debate, no entanto, é a ligação entre a prática de reservas fracionárias e o ciclo econômico. Existe uma divisão entre autores que acreditam que as reservas fracionárias o causam ou não. A teoria austríaca do ciclo econômico diz que, quando o banco emite mais meio fiduciário, ele expande o crédito sem respaldo em poupança real, plantando na economia a noção de que existe mais poupança do que realmente existe. Esse processo gera um boom artificial, onde os juros caem artificialmente e fomentam mal investimentos.

Dado que, num livre mercado um cartel provavelmente não se sustentaria, os bancos se organizaram para regulamentar o setor bancário e principalmente para instituir um banco central. Assim suas políticas expansionistas são minimizadas por constantes resgates do banco central, por coordenação da expansão monetária devido ao monopólio de emissão de moeda e por meio da imposição de barreiras de entrada no setor bancário. O real motivo para a regulação do setor bancário era para que os grandes bancos pudessem monopolizar o setor, não a história contada de que a regulação servia para controlar a inflação causada pelos bancos privados ou para que a oferta monetária seja mais elástica. O banco central não foi criado com o intuito de avançar uma nação cientificamente, ou para impedir que os bancos privados inflacionem demais, ou qualquer outra fantasia. Ele foi criado com o intuito decidido de cartelizar o mercado e concentrar o poder bancário na mão de poucos banqueiros, especialmente aqueles que já administravam um grande poder econômico.

Conclusão

Um sistema bancário livre de regulações, num mercado de fato livre, é a forma mais eficiente de se organizar essa atividade, o dispositivo da competição é a maior barreira para impedir que os bancos contribuam para o ciclo econômico. Já mostramos que um sistema de reserva fracionária apresenta uma relação contratual inválida e que possui consequências econômicas nefastas, o que não quer dizer que bancos com objetivos diferentes dos de armazenagem possam surgir, pode sim haver bancos que se comprometem a investir o dinheiro que o cliente deposita em fundos de investimentos de curto prazo para que o dinheiro do cliente rendesse enquanto estivesse depositado e o banco lucrasse com a intermediação, mas tudo teria de ser explicitamente contratual e os motivos contratuais teriam de se encontrar. 

Em resumo, o livre mercado, a livre associação, as relações contratuais válidas e a lógica sempre se mostraram a forma pela qual o ser humano alcança um nível de satisfação melhor que o anterior, onde pode empregar melhor suas faculdades e obter melhores resultados, no campo monetário e bancário não é diferente. A prudência e a disciplina imposta por uma política monetária e bancária competitiva é a melhor forma de minimizar os ciclos econômicos que atacam a riqueza dos indivíduos.

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